Ela se finge de durona, mas derrete de doce. É bênção e armadilha irresistível: quem começa a comer, não para mais. Quando Deus nos deu a jabuticaba (a musa dos quintais de Lobato), confirmou que não é só brasileiro: é jabuticabeiro
Da família das mirtáceas - a mesma da pitanga -, a jabuticaba é uma fruta exclusivamente brasileira, típica da Mata Atlântica. Apesar de haver cerca de 15 variedades da fruta, pouca gente distingue bem uma da outra, diferentemente de bananas (prata, maçã, nanica) e laranjas (lima, baía, pera). É que a única jabuticaba amplamente comercializada é uma espécie chamada sabará (Myrciaria jaboticaba), considerada a mais doce. A paulista (Myrciaria cauliflora), maior e mais azedinha, também pode ser encontrada.
Um tipo raro e incomum bastante cultuado no universo jabuticabeiro é a branca (Myrciaria aureana), que, diferentemente de todas as outras, é verde. As variedades restantes? Só procurando de pomar em pomar.
O cultivo de jabuticaba se concentra no centro-sul, em São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Goiás, onde chove bastante - solo úmido é essencial para manter a jabuticabeira fértil. Nas outras regiões a fruta também é produzida, mas não com tanta fartura. E ela já chegou até a outros países: há produção na Flórida, Estados Unidos; em países latino-americanos como a Argentina e até no Japão - em Shizuoka, o produtor Yoshinari Nishikawa tem uma plantação, aberta à visitação, com mais de cem árvores.
Mas a verdade é que a jabuticaba é uma fruta que não gosta de sair de casa, seja deste lado ou do lado de lá do mundo. Estoura à mínima pressão e começa a fermentar no mesmo dia da colheita. Além disso, é uma planta sem pressa, descansada, que demora mais de uma década para dar os primeiros frutos - daí a grande quantidade de jabuticabeiras híbridas ou "produzindo" à venda.
E, quando finalmente dá fruta, é arrebatadora: "Não acredito, a jabuticabeira aqui de casa deu fruto pela primeira vez! Ia fotografar, mas comi o potinho inteiro, antes. Doces! Demorou uns 15 anos para se manifestar", escreveu recentemente a escritora Nina Horta em seu blog. A mesma Nina tentou adivinhar o deslumbre de Paul Bocuse frente à fruta, em capítulo de Não É Sopa, com a citação: "La jabuticaba n’est pas pour le bec de tout le monde. Extraordinaire..." ("jabuticaba não é parao bico de todo mundo. Extraordinária").
A fruta povoa também um capítulo inteiro de Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. É lembrada por Guimarães Rosa em Primeiras Estórias e homenageada por Bebel Gilberto ("If I could name a fruit for you it would be jabuticaba") e Gilberto Gil ("É o Grande Sertão: Veredas, Reino da Jabuticaba").
O Paladar dedica a reportagem de capa desta edição à brasileiríssima jabuticaba. Jabu o quê? É, ela é um trava-língua para estrangeiros. Mas não há quem não se renda a ela.
Com ou sem caroço?
Não tem certo e errado, mas "jabuticaholics" juram que é melhor cuspir. Por três motivos: se você engole o caroço de uma vez, não ‘curte’ a polpa que o envolve - e a ideia é que antes de cuspir você o chupe. Se engolir direto, perderá a chance de mordiscá-lo e sentir o sabor azedinho. Por último, o caroço causa prisão de ventre.
Uma receita para os amantes da fruta :
- Lave as jabuticabas e deixe escorrer (reserve)
- Coloque em um recipiente de plástico ou vidro com tampa, o áçucar, a pinga e a jabuticaba, mexa e deixe curtir por 15 dias, mexendo uma vez por dia
- Finalizando os 15 dias coar e engarrafar